banhmi-header

O Primeiro Revolucionário

Leitura

Por Vicente Freitas — Postado em 24 de Janeiro de 2024.

Em 1971, Saul Alinsky, um dos principais mentores de Barack Obama, publicou o livro “Rules for Radicals” (Regras para Radicais), um manual para revolucionários que dedica, logo nas primeiras páginas, ao próprio demônio:

Para que não nos esqueçamos de fazer ao menos um reconhecimento ao primeiro radical: de todas as nossas lendas, mitologia e história (e quem pode dizer onde termina a mitologia e começa a história — ou qual é qual), o primeiro radical conhecido pelo homem que se rebelou contra o sistema e o fez de forma tão eficaz que conquistou seu próprio reino — Lúcifer.
(ALINSKY, 1971).

banhmi-baguette
O Anjo Caído (1847) - Alexandre Cabanel Museu Fabre, Montpellier, França.

O demônio, levado pela soberba, não suporta ver-se subordinado a Deus: fere-o o próprio fato de existir qualquer coisa que lhe seja superior. Ele odeia a hierarquia. A subversão da ordem, mais que um ato político ou social, relaciona-se com a própria metafísica: a hierarquia foi desejada por Deus, que estabeleceu ordem em Sua criação. Um olhar para a natureza evidencia a gradação entre os bens criados: da pedra inanimada à planta, da planta ao animal, do animal ao homem que o domina…
Tratar todos como iguais — ou pior, inverter a hierarquia da lei natural — é contrariar o Criador e destruir o propósito das coisas criadas. Na verdade, essa é a única forma de praticar o mal propriamente dito. Afinal, se Deus só criou coisas boas, o mal só pode surgir ao se inverter a hierarquia estabelecida entre os bens, escolhendo bens menores em detrimento dos maiores.
Se, como disse Parmênides, do não-ser é impossível que surja o ser, nem mesmo um anjo como Lúcifer poderia, por sua própria vontade, elevar seu grau no Ser. Assim, ao espírito soberbo só resta querer igualar tudo à sua própria baixeza — nivelando tudo por baixo e corrompendo a natureza do que é mais elevado. Por isso, ao corromper-se, também arrasta para baixo os anjos caídos: queria ser rei, mas tornou-se o tirano de seus próprios servos.
Como enuncia outro princípio metafísico, "a corrupção do ótimo é o péssimo". Assim, quando as coisas mais perfeitas se corrompem, transformam-se nas piores e mais desgraçadas: uma natureza angélica que desobedece a Deus torna-se profundamente má — além do que possamos sequer imaginar. Da mesma forma, um homem forte e inteligente que se corrompe é capaz de atrocidades piores do que as de vinte homens medíocres juntos. O sexo, expressão máxima do amor conjugal, quando degradado, torna-se fonte dos vícios que mais escravizam o ser humano. E assim por diante. Quanto maior a excelência de algo, mais devastadora é sua corrupção.
E toda a miríade de bens criados, feitos para se relacionarem entre si de maneira harmônica e hierárquica, ao serem invertidos e amados pelo homem "de ponta-cabeça", dão origem a todas as formas de males.
Essa corrupção igualitária, iniciada no âmbito espiritual, manifestou-se na história de forma contínua e progressiva. O que frequentemente estudamos como eventos isolados é, na verdade, parte de um tecido único que chamaremos aqui de "A Revolução".
Atualmente, a subversão é enaltecida como uma forma de heroísmo e a degradação moral resultante da Revolução já impera na sociedade com seu discurso hedonista e relativista. Mas nem sempre foi assim:

Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos príncipes e à proteção legítima dos magistrados.
(Leão XIII, Encíclica Immortale Dei, 1885).


Como foi que, ao longo da história, os ciclos de revoluções destruíram a ordem social da cristandade medieval — elogiada pelo Papa Leão XIII na encíclica — e conduziram as sociedades humanas à lamentável situação de neopaganismo e perversão generalizada? A Revolução proferiu quatro "nãos" fundamentais. Estes "nãos" traçaram o caminho que nos trouxe até aqui:

A Revolução Protestante
A primeira das revoluções que abriu as portas para a modernidade foi a Revolução Protestante. Assim como o "primeiro revolucionário", vemos nela um espírito soberbo que rejeita a hierarquia, questiona a autoridade legítima e, por fim, almeja colocar-se em posição de liderança, examinando tudo conforme sua própria vontade.
O resultado não poderia ser diferente: um igualitarismo degradante: com o fim da sucessão apostólica e dos sacramentos, a distinção entre clero e fiéis desaparece. Esta igualdade, porém, vem a um alto custo: a perda da Eucaristia, o maior tesouro que Cristo deixou para sua Igreja.
Com a Revolução Protestante, instaurou-se o igualitarismo no campo religioso. Foi o primeiro "não" da história: "não à Igreja, sim a Cristo".

A Revolução Francesa
Após o igualitarismo religioso, veio o civil — uma sutil continuidade do mesmo movimento. A Igreja, cuja autoridade havia sido questionada, não podia mais ser pilar de sustentação para justificar as monarquias. Assim, o ódio revolucionário voltou-se contra seu próximo alvo: a nobreza.
É evidente que a soberba (e o igualitarismo que dela provém) detesta toda forma de nobreza. Quanto maior o abismo entre a baixeza da alma do soberbo e a pureza do espírito nobre, mais intenso o ódio que este provoca naquele. A Revolução, que abomina qualquer forma de hierarquia, aproveitou-se desse ódio para derrubar, depois do altar, o trono.

Novamente, testemunhamos a não submissão, a rejeição da hierarquia, o livre exame da realidade — o brado demoníaco do "non serviam!" (não servirei).
Instaurou-se então, sob os ideais do iluminismo maçônico, um regime de profundo igualitarismo civil, estado laico e política essencialmente impessoal.
O indiferentismo religioso propagado pela maçonaria, que dominou as elites revolucionárias na França com a noção de um Deus impessoal e idêntico para todas as religiões, proclamou o segundo "não" da história: "não a Cristo, sim a Deus".

A Revolução Socialista
A próxima revolução trouxe o igualitarismo para os campos material e social. Os ideólogos da Revolução Francesa proclamaram que todos os homens são iguais. Então, por que não igualá-los também nas propriedades? A revolução socialista surgiu como uma sequência lógica da trama revolucionária, expandindo gradualmente seu soberbo igualitarismo para todas as esferas.
No âmbito religioso, com a dogmática já enfraquecida pelas relativizações anteriores, foi fácil avançar mais um passo e chegar ao materialismo ateu. Assim, proclamou-se o terceiro "não": "não a Deus, sim ao homem".

A Revolução Antropológica
Por fim, restava apenas uma trincheira a ser conquistada pelo igualitarismo: a do próprio ser humano. Esta é a revolução que vivenciamos atualmente.
Ideologia de gênero, ambientalismo pacifismo e outras "pérolas" da modernidade são facetas de uma mesma ideia: o objetivo da revolução antropológica, que presenciamos neste momento, é igualar completamente os seres humanos entre si, massificando-os e eliminando todas as diferenças — de vida, de habilidades e de gênero.
Primeiramente, afirmam não haver diferenças entre homem e mulher. Em seguida, entre os seres humanos e os animais, as plantas, a natureza (alguns ambientalistas radicais já mencionam o "especismo", o preconceito baseado na espécie biológica). O passo final desta última revolução será, enfim, igualar o ser humano ao próprio cosmos, numa espécie de gnosticismo onde tudo é uno. Nessa visão, seríamos todos parte de uma mesma "massa cósmica" — uma única entidade, uma única substância. Este é o quarto e derradeiro "não" da história: "não ao próprio homem".
O fim da Revolução é, pois, o retorno ao monismo pré-socrático — uma visão onde tudo o que existe é o Ser, um ente único e indivisível.
A Revolução empenhou-se em sepultar no cemitério da história todos os desenvolvimentos da filosofia ocidental, rotulando seus pensadores como "ultrapassados" e "ignorantes".

Eliminar as ideias de Platão, Aristóteles e seus pares, que explicaram o mundo através das diferenças entre os entes e da finalidade e natureza específicas de cada coisa, era a única forma de continuar defendendo a ideia de que "tudo é um", e se tudo é um… tudo é nada.